A polícia na cidade britânica de Bristol prendeu quatro funcionários de uma clínica psiquiátrica depois que um programa da BBC flagrou uma série de agressões aos pacientes.
Um especialista em tratamento psiquiátrico de adultos que assistiu às imagens filmadas com câmera escondida disse que alguns casos poderiam ser classificados como tortura.
O repórter da BBC Joe Casey, do programa Panorama, passou cinco semanas trabalhando na clínica privada Winterbourne View, que trata pacientes com autismo e dificuldades de aprendizagem. Os empregadores não sabiam que Casey era jornalista.
Ao longo de cinco semanas, ele presenciou tapas, agressões diversas, intimidações e pacientes vestidos sendo banhados com água fria e arrastados pelo chão.
A companhia Castlebeck, que administra o hospital, pediu desculpas pelas agressões e afastou 13 funcionários. A clínica com 24 leitos é administrada pela empresa privada, mas recebe dinheiro público para operar.
O dia terminou com a água do vaso de flores que ela ganhou dos seus pais sendo despejada sobre a sua cabeça, enquanto ela berrava no chão do quarto.
Joe Casey, repórter da BBC
Os quatro funcionários presos – três homens, de 42, 30 e 25 anos, e uma mulher de 24 – foram soltos nesta quarta-feira após pagarem fiança.
Simone
Entre os pacientes agredidos está Simone, uma jovem de 18 anos. As imagens mostram Simone sendo intimidada verbalmente.
Os pais da jovem disseram que ela alertou sobre as agressões, mas que eles não acreditaram.
"Ela nos disse que estava sendo agredida, com seu cabelo sendo puxado e que ela havia sido chutada – e eu disse que não, que isso não poderia estar acontecendo, que eles não podem fazer isso", disse a mãe de Simone à BBC.
O repórter Joe Casey conta que alguns funcionários enfiavam os dedos nos olhos de Simone. Depois ela foi molhada com água fria e colocada no pátio frio, em pleno inverno.
"O dia terminou com a água do vaso de flores que ela ganhou dos seus pais sendo despejada sobre a sua cabeça, enquanto ela berrava no chão do quarto", disse Casey.
"Eu era o único da equipe de apoio que não estava participando. Eu estava assistindo de fora, resistindo à tentação de interromper aquilo e arriscar revelar meu segredo."
Casey diz que alguns dos pacientes têm idade mental de crianças e não conseguem entender o que está acontecendo ao seu redor.
Imobilização
Dois especialistas que assistiram às imagens condenaram veementemente a forma como os funcionários da clínica lidavam com os pacientes.
Eles afirmam que funcionários de clínicas precisam recorrer diversas vezes a técnicas de imobilização, quando os pacientes perdem o controle. No entanto, nos casos flagrados pela BBC, os enfermeiros da clínica estavam recorrendo à violência sem nenhuma justificativa.
Andrew McDonnell, especialista em tratamento de adultos com deficiências mentais, se disse chocado. Para ele, vários casos filmados são exemplos de tortura.
Jim Mansell, da Universidade de Kent, que é consultor do governo britânico, afirmou que as imagens mostram que os funcionários queriam agredir os pacientes.
"Este é o pior tipo de tratamento institucional. É o tipo de coisa que prevalecia no final dos anos 60 e que levou a Grã-Bretanha a gradualmente fechar essas instituições de grande porte e de longo período de internamento", disse Mansell.
Denúncias ignoradas
O programa Panorama resolveu investigar a clínica depois de ter recebido denúncias do enfermeiro Terry Bryan.
"Eu vi muita coisa ao longo de 35 anos [de carreira], mas nunca vi nada como isso. Eu a pior coisa que já vi", disse Bryan ao Panorama.
"Essas pessoas são filhos, filhas, parentes, tias, tios. É tudo gente que possui famílias. As próprias famílias não sabem o que está acontecendo lá dentro."
Bryan fez duas denúncias sobre as agressões – uma aos donos da clínica e outro ao Care Quality Comission, órgão do governo que regula as clínicas do tipo – mas ambas reclamações foram ignoradas.
Ian Biggs, diretor-regional do Care Quality Comission, pediu desculpas pela omissão do órgão, e prometeu que o governo vai agir rapidamente agora.
A Castlebeck anunciou uma revisão em todas as suas 56 instituições na Grã-Bretanha, que cuidam de 580 pacientes. Cada internação custa 3,5 mil libras (equivalente R$ 9 mil) por semana, mas o valor é coberto pelo sistema de saúde público britânico. A Castlebeck fatura 90 milhões de libras (mais de R$ 230 milhões) por ano.
As vítimas dos abusos flagrados pelo programa da BBC foram transferidas para um local seguro.
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