quinta-feira, 21 de abril de 2011

Cortam-se para que a dor física cale a dor psicológica

Reportagem portuguese sobre auto-agressão em adolescentes. Onde está escrito "magoam-se", leia "auto-agridem".
Dado alarmante!



«Cortam-se para que a dor física cale a dor psicológica»

20 | 04 | 2011   09.32H
Margarida Gaspar de Matos confessa-se surpreendida e preocupada com a 'descoberta' de que 15,6% dos adolescentes do 8.º e do 10.º anos se magoaram a si próprios de propósito no último ano. O indicador, o primeiro em Portugal revelado por um estudo a nível da população (HBCS), demonstra que este fenómeno tão assustador e tão difícil de compreender está entre nós. É como psicóloga clínica que o explica ao Destak.
Isabel Stilwell | editorial@destak.pt
O que é a agressão auto-dirigida?
A agressão autodirigida é já há muito conhecida de contextos clínicos como, por exemplo, nas perturbações alimentares. É típico da jovem bulimica, que se magoa para regular a ansiedade e se acalmar, para refrear o seu ímpeto de compulsividade alimentar, ou para se punir por 'prevaricar'. Mas é, também, conhecida como forma de auto-regular emoções tão fortes que não cabem dentro de si e não se conseguem controlar de outro modo. Surge, ainda, associada a casos de deficiência mental e de perturbações do espectro do autismo onde esta violência ocorre, por vezes, com consequências graves. Para além disso, na adolescência, e no âmbito de uma adolescência «apenas» conturbada, este fenómeno tem diferentes contornos.
O que é que o adolescente pretende atingir através deste comportamento?
Quando não tem por base uma forte psicopatologia, está associada a uma dificuldade de auto-regulação. O adolescente está demasiado triste, demasiado irritado, demasiado ansioso, não consegue reestabelecer uma regulação emocional e magoar-se aparece como um « tranquilizante». Outros falam em «tornar física (e vivível) uma dor psicológica (não vivível)», e há quem diga que o faz para «sentir que ainda sente», enquanto para outros é um desafio, para «verem até onde conseguem ir».
É uma perturbação nova, ou apenas mais falada?
De certo modo tem o tempo da humanidade. Todos nos recordamos dos 'sacrifícios' humanos a entes 'superiores', para compensar 'maus pensamentos ou actos', e recordamos culturas com práticas autoviolentas em variadas modalidades. Quando falamos de algo novo, estamos geralmente a falar de uma nova contextualização socio-histórica de algo antigo, ou então resolvemos diluir a espessura histórica do fenómeno e recriá-lo. Nesta sociedade de informação é difícil ser-se discreto e, se há pessoas para quem este fenómeno é desconhecido, basta uma palavra num motor de busca na Internet para saber mais...
Mas é, ainda, mais tabu do que a anorexia ou a bulímia...
Na clínica contemporânea as perturbações alimentares foram das primeiras onde a violência autodirigida foi reportada como estratégia de se controlar, acalmar, punir, ou 'ultrapassar'. Esta forma de se magoar a si mesmo mantém-se mais silenciada, mas já é alvo de muitos estudos internacionais. Em Portugal, contudo, julgo que este é o primeiro estudo a nível de uma população.
A revelação de que 15,6% dos alunos dos 8.º e 10.º anos se magoam de propósito, chocou-a?
Surpreendeu e preocupou. Na nossa consulta de apoio psicológico temos contacto com situações, mas este número é muito alto, muito semelhante ao da realidade de países como o Canadá, a Finlândia e os EUA, o que significa que é preciso ajudar estes jovens e agir na prevenção do fenómeno.
É característico desta idade?
Os dados internacionais indicam os 13 aos 22 anos como a data de início deste comportamento, mas tende a diminuir nos mais velhos, a par com o aumento e diversificação das modalidades de regulação das emoções e das estratégias de lidar com a vida e os problemas. Os dados internacionais indicam que nos adultos a prevalência é à volta dos 4%.
Do cruzamento com os outros dados do estudo, consegue ter uma primeira impressão de quem são estes jovens?
Para tentarmos compreender um pouco melhor fomos cruzar com diferentes variáveis e claramente os 15,6% que fazem mal a si próprios são aquela percentagem de risco máximo, ou seja, a tal minoria preocupante com vários comportamentos de risco concomitantes.
E quais são esses riscos?
De um modo geral, os miúdos que dizem fazer mal a si próprios são aqueles que também fumam, bebem, consomem mais drogas (nomeadamente cannabis), têm mais sintomas (tanto físicos, como psicológicos), maior envolvimento em provocações, e se dizem menos felizes e menos satisfeitos. São os que têm maior dificuldade em fazer amigos, ficam mais frequentemente sozinhos na escola porque os colegas não querem ficar com eles, gostam menos da escola, e relativamente à percepção da imagem corporal situam-se nos extremos (acham-se muito gordos ou muito magros, sem que isto corresponda ao IMC real), tiveram mais relações sexuais associadas ao consumo de álcool ou drogas e usaram menos o preservativo. Por fim, uma questão importante e que parece relevante neste caso, são os que mais dizem estar tristes e não aguentar...
E o que dizem da sua relação com os pais (do ponto de vista deles, claro)?
Nas questões colocadas sobre a monitorização parental, afirmam que os pais pouco ou nada sabem sobre amigos, dinheiro, tempo livre e para onde saem à noite.
Como é que conseguem esconder os sinais da agressão, sobretudo os que são nos braços?
Estamos a falar de pequenas picadelas com alfinetes e pontas de compassos; cortes de x-actos, de pontas de tesoura, canivetes, queimadelas de cigarros e por isso os braços são mais práticos. Os que têm ocupações com exposição dos braços e das pernas, como por exemplo desportistas e bailarinas, escolhem a barriga exactamente para não se ver.
Os pais não reparam ou não lhes passa pela cabeça que possam ser auto-inflingidas?
Os pais às vezes olham e vêem, mas não identificam, de tal modo este fenómeno está fora do seu mapa cognitivo e emocional. Outras vezes podem 'fingir' que não vêem, porque não sabem como lidar com um assunto que lhes causa grande perplexidade.
Mas como devem reagir perante um filho que se magoa?
Reagem sempre com dor e angústia, mas o ideal é que consigam falar com o filho com a maior serenidade possível, tentando ouvir e entender. Entender a que corresponde, na organização da vida do jovem, esta prática de auto-agressão. A um ritual de grupo? A uma dificuldade de regular a ansiedade? A uma dificuldade de regular a irritação? A tristeza? A uma vontade de se punir? A uma vontade de «disciplinar» a vontade. Não é o comportamento em si, mas a função a que corresponde na vida do jovem, que deve ser abordada.
Conseguem fazê-lo sozinhos? Parece-me sinceramente impossível, é um sofrimento demasiado intenso, mistura tantos sentimentos...
De facto, o ideal é que encontrem ajuda técnica para si, e para os seus filhos. A solução passa por ajudar o jovem a encontrar alternativas, a desenvolver competências pessoais e sociais alternativas, a recuperar a auto-estima, mesmo que seja só uma chamada de atenção. Não se pretende assustar os pais, mas é necessário estarmos atentos a estas situações de risco.

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